segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Do Qatar pode vir um indulto histórico

"Por lei, a maior pena que há no Brasil é de 30 anos. Eu estou cumprindo a minha há 50", dizia, no fim de sua vida, o ex-goleiro Barbosa. Ele estava em campo no fatídico Brasil 1x2 Uruguai e, por conta de sua posição (e há quem diga que também pela sua etnia) acabou sendo o ícone do maior vexame da história da seleção brasileira em todos os tempos, a perda do título mundial em 1950, num Maracanã que continha mais de 200 mil pessoas.

A despeito da força de sua frase, ainda em vida Barbosa contou com certas doses de "absolvição". Uma espécie de revisionismo da tragédia transferiu a culpa aos dirigentes - ah, essa essencial classe, "os dirigentes", assim, no plural, sempre o alvo perfeito das críticas vagas - que teriam perturbado a concentração dos atletas e assim prejudicado a preparação do time que ainda jogaria uma final de Copa do Mundo. E em seus últimos anos Barbosa foi recebedor de muitas homenagens. Em votação promovida pela Placar em 1994, foi eleito o melhor goleiro do Vasco em todos os tempos; foi também selecionado quando a Placar repetiu a dose em 2006. E tantas outras.

Se a história acabou por ser condescendente com Barbosa, ela não foi com outro personagem, que esta semana voltou à mídia.

Ou alguém aí consegue retirar qualquer centelha de culpa de Sebastião Lazaroni? Alguém consegue olhar para ele e não atribuir a ele o fracasso no Mundial de 1990, o desperdício de uma geração que tinha Romário, Careca e Bebeto, não lembrar do esquema com três zagueiros e um líbero, e visualizar, em sua figura, a ressurreição de uma Argentina que parecia um defunto cujo carrasco se chamava Roger Milla e vinha do longínquo Camarões?

Barbosa teve em sua trajetória como goleiro muito mais do que a Copa do Mundo de 1950. Foi titular do Vasco por mais de 10 anos e na Colina faturou inúmeras taças, entre elas o Sul-Americano de Clubes de 1948, espécie de embrião da Libertadores.

Já Lazaroni... só o técnico sabe explicar se foi voluntária ou involuntariamente, mas a carreira do técnico em terras nacionais, após a Copa de 1990, é algo que se aproxima do zero. A nem sempre confiável Wikipedia reporta uma passagem pelo Vasco em 1994, outra pelo Botafogo entre 2000 e 2001 e uma terceira pelo Juventude em 2005 (é também o que a memória deste escriba traz à tona). No estrangeiro, o técnico peregrinou por Itália (sua Waterloo), Arábia Saudita, México, Turquia, China, Jamaica, Japão, Kuweit, Portugal e, ufa, Qatar.

E é na terra dos skeiks, dos petrodólares, das denúncias e da Copa de 2022 que Sebastião tenta voltar a desfrutar de um relativo status de mainstream. Não deve ter vida fácil: será o terceiro treinador da equipe somente em 2011, e nada indica que disputará, até o final, a classificação para a Copa de 2014, a ser realizada aqui no Brasil.

Lazaroni não fez como Barbosa; não triunfou em sua própria terra e, ao que tudo indica, também não contará com aquela nostalgia quase que invariavelmente destinada a todos os ícones do passado. Carregará para sempre a pecha de "o pior treinador brasileiro em Copas do Mundo", a não ser que o futebol apronte das suas.

O mesmo Brasil que Lazaroni desprezou - ou por quem foi desprezado - pode ser a terra da redenção do técnico. Caso triunfe nas Eliminatórias, trará seu Qatar para aqui disputar uma Copa do Mundo, voltando à disputa mais de 20 anos depois. Diz um sábio ditado: "de onde menos se espera, é de onde não vem nada mesmo". É portanto próxima de zero a chance de Lazaroni fazer algo de digno em terras nacionais, se é que irá chegar até aqui. É pequena, bem pequena, a chance deste Barbosa contemporâneo mudar de status.

2 comentários:

Fabricio disse...

Eu vejo no Youtube vídeos daquele time na Copa de 90 e é fácil perceber que jogava um futebol muito bom, melhor que o time de Dunga, por exemplo.

Atribuir a ele o fracasso contra a Argentina, a meu ver, é o mesmo que execrar o Luxemburgo na derrota da Copa do Brasil 1996. O time teve pelo menos umas 5 chances claras de bater a Argentina. A culpa não foi dele, pelo menos naquele jogo.

Júlio disse...

(Atendendo a um pedido do autor do texto)... O técnico brasileiro em 1990 é mais lembrando quando reprisam o episódio do Chapolin "De médico, Chapolin e louco todo mundo tem um pouco", graças a frase... "Se vai dizer que as pessoas estão doentes pela feiúra que tem, então o Lazaroni está agonizando e a Hortência já morreu"...