O rapaz da foto acima está na crista da onda, a ponto de me demover do intuito de escrever a respeito do clássico de domingo. Na verdade, eu não teria muito a acrescentar sobre o tema, até porque discorri fartamente sobre os problemas da zaga tricolor, que acabaram resultando no gol de empate do Palmeiras, em uma jogada aérea.
Quero, sim, falar sobre Henrique - não propriamente sobre o futebol por ele apresentado no Mundial Sub-20, que lhe rendeu os troféus de artilheiro e de craque da competição. Ontem, em meio à euforia pela conquista do pentacampeonato mundial, o atacante deixou escapar que estaria insatisfeito com o São Paulo e disposto a deixar o clube.
Ao tomar conhecimento do caso, inicialmente deixei-me levar por aquele sentimento comum aos maridos traídos que acabaram de descobrir que a parceira é infiel. Em geral, é assim que o torcedor, criatura mais passional da face do Universo - mais até que o Javé no Antigo Testamento -, costuma encarar deserções tramadas por seus ídolos.
Convenhamos, porém, que Henrique está longe de ser um ídolo no Tricolor. Antes, é um jogador promissor, com potencial para oferecer grandes alegrias à torcida - ou decepções, comprovadas por aquele gol feito que ele deixou de anotar na prorrogação contra Portugal.
O que sei é que, depois de analisar friamente a situação, não encontro motivos para condenar a jovem promessa. O fato de eu e milhões de tricolores enxergarmos nele um futuro herói cria algum laço de obrigação entre o atleta e o clube?
É evidente que não. A grande verdade é que, hoje (mais do que em qualquer outra época), o futebol não passa de uma atividade econômica, como tantas outras que existem por aí. Alguém poderá argumentar que a coisa não é bem assim, já que o esporte envolve elementos subjetivos poderosos, como a paixão da torcida ou mesmo a identidade social de milhares de indivíduos.
Pode até ser. Porém, não devemos nos esquecer de que toda e qualquer atividade econômica tem suas peculiaridades, seja a venda de batatas na feira ou o de óxi na Cracolândia. E que, apesar das diferenças, todas possuem uma característica em comum: são regidas pela lógica fria do lucro.
Quando o clube lucra horrores com a venda de atletas, tal como se não passassem de meros objetos, dificilmente veremos algum torcedor se preocupar com a subjetividade desse indivíduo. Assim como ninguém dá a mínima para o destino das centenas de jogadores e técnicos dispensados ao longo dos campeonatos.
Notem bem: não estou aqui a clamar que nosso futebol passe a ser regido por uma ética piedosa. Antes, quero apenas demonstrar que, em relação aos atletas, os clubes representaram por anos o lado forte na disputa.
Podiam tratar os jogadores como escravos, isso em pleno limiar do século 21. A Lei Pelé, dos anos 90, rompeu com essa lógica escravagista e trouxe um avanço enorme nas relações trabalhistas do futebol.
Ironicamente, hoje em dia o Rei é atacado por uma legião de desavisados, que enxergam o fim do passe como o início das mazelas dos clubes. Para mim, está evidente que a legislação em vigor tem vários aspectos positivos.
O jogador de futebol, a exemplo dos demais trabalhadores, deve poder escolher para quem quer trabalhar. Dessa forma, se Henrique não está feliz no São Paulo, que faça as malas e encontre um lugar que o agrade. Oscar obteve esse direito provisório na Justiça e bateu asas rumo ao Inter de Porto Alegre. Particularmente, acredito que ele poderia ter feito uma escolha melhor, haja vista que no Colorado o meia não consegue demonstrar um décimo do talento que possui.
Porém, o fato é que ele pôde escolher.
Alguém poderá dizer que a opção não ocorreu por livre e espontânea vontade, já que Oscar, tal como Henrique hoje, estava nas garras de um empresário inescrupuloso. Isso não deixa de ser verdade. Porém, cabe uma pergunta a esse respeito: foi a Lei Pelé quem criou esses "monstros"? Ou seriam eles fruto da omissão do Estado brasileiro em regulamentar a atividade dos clubes e federações de futebol?
Sabemos que esse vespeiro está recheado não só com milhões em dinheiro, mas também com uma teia intricada de relações promíscuas de poder. Talvez por isso seja mais fácil para os governantes ignorar esse problema. Afinal, o ódio e o desprezo dos torcedores se encarregará de oferecer uma explicação cômoda para tais situações incômodas.
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