Há 10 anos, eu senti, pela primeira (e por enquanto única) vez na minha vida o desagradabilíssimo efeito do gás de pimenta. Veio rápido, intenso e incômodo, me fazendo tossir e lacrimejar. Motivou a mim, e a todos os que estavam perto, a recuar e assim abrir passagem ao caminhão de bombeiros que tentava prosseguir em meio a uma rua lotada.
O caminhão trazia os atletas do Santos que, poucas horas antes disso tudo, venceram o Vasco em São José do Rio Preto e assim conquistaram o Campeonato Brasileiro. No chão, eu e outros tantos santistas que celebravam ali a conquista.
O título de 2004 é daqueles que gera muito, mas muito o que se pensar. Ele não foi tão mágico quanto o de 2002: não foi conquistado de virada, sobre um rival, não quebrou fila, não teve conotação de surpresa. Ao contrário: o Santos figurava entre os favoritos para o torneio e a partida decisiva, com seus gols logo no início, não se caracterizou por emoções e alternativas.
A emoção foi construída antes daquilo. No longo torneio (46 jogos, contra 38 dos dias atuais), aconteceu coisa pra caramba. A mãe de Robinho foi sequestrada, o que tirou o principal jogador do Santos de muitas partidas; o Atlético-PR mostrava uma solidez digna de um avião em piloto automático; e Deivid, o 9 peixeiro fazia gols e mais gols, mas grande parte deles acabava injustamente anulado pela arbitragem, o que deu boa margem para teorias da conspiração.
Talvez o que possamos chamar de jogo - ou jogos - do título foi realizado uma semana antes da rodada final do Campeonato. O time paranaense liderava a disputa, dois pontos à frente do Santos; ia enfrentar um fraco Vasco em São Januário, enquanto o clube paulista encararia o perigoso (embora abalado pela morte de Serginho) São Caetano no ABC. Deu tudo certo para o Santos: o Vasco fez 1x0 sobre o Atlético e o Peixe passeou no ABC, com um inapelável 3x0. O jogo final, como já dito, acabaria tendo um quê de uma contenda protocolar.
Mas então qual a pegada desse título, o porquê de eu ter dito que ele "gera muito o que pensar"?
A questão é que ganhar um Campeonato Brasileiro apenas duas temporadas depois de ter vencido outro foi uma afirmação inequívoca da retomada da grandeza do Santos. Não, definitivamente não era um time sortudo salvo por uma molecada endiabrada, e sim uma equipe de camisa, de força, digna de brigar por títulos e de receber o mesmo tratamento de outros rivais que, por um bom tempo, o haviam feito comer poeira.
Depois de 2004, o Santos, embora não tenha mais vencido o Brasileirão, enfileirou uma série considerável de taças: cinco campeonatos paulistas, uma Copa do Brasil, uma Recopa e a tão sonhada Libertadores da América. As conquistas não apareceram mais desde a Recopa de 2012 - e as perspectivas da administração não estão das mais animadoras - , mas, enfim, não há como comparar o Santos hoje com aquele time pré-2002. E até mesmo com o que havia entre 2002 e o 19 de dezembro de 2004.
Fabinho, Preto Casagrande, Leonardo, Ávalos, Mauro e outros heróis esquecidos fizeram parte daquela campanha - o que, cabe registrar, deixa bem claro que não estamos falando de um bicampeonato alcançado pela "geração de Diego e Robinho". Robinho sim, mas Diego já havia ido embora - quem dividia o protagonismo com o ex e o atual camisa 7 eram nomes como Elano, o já citado Deivid, o talismã Basílio e o injustiçadíssimo capitão Ricardinho (que, por ser "corintiano", jamais desfrutou do status de ídolo na Vila).
Fecho o post com um vídeo sobre a penúltima rodada, a vitória no ABC. Não houve gás de pimenta naquele dia - o cheiro, ali, era de título.
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