Esses dias fiz no Facebook um post em que falava sobre os feitos do Penapolense no Paulistão atual - goleada sobre o Santos na primeira fase, eliminação do São Paulo no Morumbi e que posso atualizar agora, após o duríssimo duelo com o Peixe pela semi do estadual - e que dizia que, se fosse antigamente, essas façanhas do clube seriam cantadas em verso e prosa e serviriam como argumento para dizer que "o futebol do interior do passado era muito mais forte".
Recebi muitos comentários, todos pertinentes, concordando e discordando da minha avaliação. Uma das ponderações lá feitas era a de que os estaduais de antigamente eram mais valorizados do que os atuais - o que é uma verdade indiscutível - e que, por isso, alcançar outrora decisões e vitórias sobre os grandes é algo muito mais digno de aplausos do que os triunfos nos tempos de WhatsApp.
Pois bem, concordo plenamente.
A questão - e isso eu deixei de desenvolver lá no Facebook - é que a lista das façanhas dos times pequenos no passado é bem, mas bem menor do que a mistura entre folclore positivista e saudosismo exagerado nos faz pensar.
Uma análise rápida sobre a bíblia (www.rsssf.com) nos deixa claro que os clubes grandes monopolizavam os estaduais no passado com uma força muito maior do que a atual. Entre 1960 e 1979, uma das eras mais nobres do nosso futebol, sabem em quantas vezes nós tivemos times fora dos 12 grandes vencendo os quatro principais estaduais do Brasil (SP, RJ, RS e MG)? Quatro: duas vezes no Rio (América/60 e Bangu/66), uma em Minas Gerais (Siderúrgica/64) e uma em São Paulo (Portuguesa em 1973 - com todas as ressalvas ao fato de a Lusa não ser exatamente um time pequeno e de aquele campeonato ter tido um desfecho controverso). Desses quatro, apenas um triunfo é de times de fora da capital, vale registrar.
Em compensação, nos 20 campeonatos que separam 1993 e 2013 (não errei a conta; excluo daí as edições de 2002, enfraquecidas por conta dos torneios regionais), a diversidade é maior. Foram seis vezes: três em Minas Gerais (América/93 e 2001 e Ipatinga 2005), duas no Rio Grande do Sul (Juventude/98 e Caxias/2001) e uma em São Paulo (São Caetano/2004).
Sem contar que nesse período também vimos alguns dos times "menores" levantando taças nacionais, como as Copas do Brasil faturadas por Juventude (1999), Santo André (2004) e Paulista de Jundiaí (2005). Rebate isso no passado somente o título brasileiro do Guarani em 1978.
"Pô, mas você tá falando besteira e sendo contraditório. Acabou de falar que os estaduais antigamente eram mais priorizados e agora vem com esse dado de que os times menores estão mais fortes hoje? Esses números não fazem sentido! Os grandes hoje em dia dão menos bola pro estadual, e por isso os pequenos aparecem."
Não estou desprezando isso. Meu ponto é um só: os pequenos, antigamente, não colhiam resultados tão expressivos assim. Provem o contrário!
"Ah, o Santos de Pelé perdeu pro XV de Jaú de 2x0 em 1965!" (estou inventando isso, antes que alguém vá olhar na tabela). De fato! Assim como o Santos de Neymar perdeu para o São Caetano no Paulista de 2012. E que o Corinthians que viria a ser campeão mundial foi derrotado pela Ponte Preta no mesmo ano. E que o Inter em 2010, ano em que ganhou a Libertadores, perdeu de 3x0 para o modesto São José no Gauchão. E que o Vasco em 2011, o melhor ano de sua história recente, levou de 3x1 do Macaé. E etc., etc., etc.
As realizações dos times pequenos do passado não são, em número, tão maiores do que as dos nanicos da atualidade.
Achei importante fazer esse texto porque li há pouco, o artigo "Futuro", de Ugo Giorgetti. Nele, o autor lamenta a decadência do futebol do interior paulista, baseando-se em declínios específicos de algumas equipes e em uma boa dose de memória afetiva - em que pese o fato de seu post ser aberto por uma citação ao Fernando Martinez, do ótimo Jogos Perdidos, cuja opinião sobre as equipes menores tem peso dois, três, quatro.
Discordo de quase tudo o que disse Ugo - até mesmo de sua análise sobre a mídia e a importância dada aos times do exterior, mas isso fica para outro post. Só queria destacar a menção que ele faz ao rebaixamento do Comercial de Ribeirão Preto, apontado por ele como uma das "provas" dessa decadência do futebol do interior.
Mais uma vez, recorro à RSSSF. Lá vejo que o Comercial foi rebaixado do Paulistão em 1968 e só voltaria a enfrentar os grandes do estado em 1974. Mas e aí, "os times do interior não eram mais fortes antigamente"?
E cabe ainda um último ponto: os defensores da tese do "os times do interior eram mais fortes antigamente" em geral agarram-se ferrenhamente ao declínio de tradicionais como o próprio Comercial, "XV's" de Jaú e Piracicaba, Portuguesa Santista e outros para justificar seus pontos de vista. OK, mas... o Ituano não representa o interior? O Penapolense não representa o interior? O Guaratinguetá, melhor time da primeira fase do Paulista em 2008, não representa o interior? Que critérios são esses, que definem um interior que "vale" e um que "não vale"? A entender.
4 comentários:
Faltou o título mineiro do América em 1971. Com as mesmas ressalvas feitas à Portuguesa, de não ser propriamente pequeno e nem mesmo do interior, claro.
E realmente tendemos a considerar o "pequenos fortes" da época que começamos a acompanhar futebol como os verdadeiros tradicionais. Percebi isso nos primórdios da Futebol Alternativo do orkut, vendo gente 10 anos mais nova do que eu lamentando por União São João e Matonense. Que apenas tiveram grandes fases de três, quatro, no máximo oito anos - assim como os XV de Jaú e Novorizontino da minha infância de fins dos anos 80.
Façanha difícil de igualar é o Ituano atual, que já soma 13 temporadas consecutivas na primeira divisão em um campeonato de tiro curto que rebaixa 20% dos participantes.
Uma observação sobre o paralelo entre Comercial, "XV's" de Jaú e Piracicaba, Portuguesa Santista e os atuais Ituano, Penapolense etc.
Hoje, um time faz "sucesso" tão efêmero que ano que vem provavelmente serão outros a incomodar os grandes. Os times do interior infelizmente hoje são times de aluguel, que empresários montam e desmontam de acordo com o sopro dos ventos. Antigamente havia força no que se chamava tradição, de times como XV de Piracicaba, São Bento, Ferroviária, Juventus (que não é do interior, mas é "pequeno"), Paulista de Jundiaí, Botafogo de Ribeirão Preto, Guarani, Ponte Preta e outros que talvez me esqueça (Portuguesa Santista nunca passou de um timinho de bairro, com todo o respeito).
Essa tradição. com raras exceções, não existe mais.
O Ituano é um caso à parte, é uma espécie de "tradicional contemporâneo", mas não pode ser comparado aos times citados acima.
O Bragantino é uma força considerável do interior, que tem resistido.
Paulo, matou a pau: ver gente da nossa idade dizendo que "o futebol do interior não é mais o mesmo, olhaí o União São João e a Matonense" como estão é o mais perfeito exemplo do erro - sim, erro - que, acredito, temos que evitar a todo custo.
(e que é cometido pelo pessoal mais velho)
Maretti, fui à RSSSF. E lá vi que, em números, essa constância dos times pequenos no passado não existe.
Durante toda a década de 60, apenas três vezes um time pequeno ficou entre os três primeiros do Paulista: o São Bento foi o 4º em 1963, o Comercial foi o 4º em 1966 e a Ferroviária foi a 3º em 1968.
Todos, sem exceção, fizeram campanhas frágeis nos anos seguintes: São Bento e Comercial ficaram em 9º e a Ferroviária, em 6º.
Nos anos 70 há, sim, uma presença maior e mais expressiva dos times pequenos nas cabeças do campeonato. A Ponte obteve três "pódios", o Guarani dois, e Botafogo e XV também receberam "medalhas".
Ainda assim, são todos casos de exceção. Os times não brilharam por muitos anos consecutivos. A baixa posição na tabela é prova disso.
Indiscutivelmente, eles não fizeram nada, mas nada de CONCRETO que justifique a depreciação ao futebol atual do interior.
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