segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Pela autodeterminação das torcidas, ou: só o torcedor sabe o que se passa com o próprio time

Gols à parte, um dos lances que mais marcou o Palmeiras x Santos de ontem se deu aos 25 do segundo tempo, quando o placar registrava 3x0 para a equipe alvinegra: subitamente, após um lance que não teve resultado muito efetivo, a torcida palmeirense desandou - de forma espontânea - a gritar o nome de Valdivia. "Valdivia! Valdivia! Valdivia!"

A ode a Valdivia por parte dos palmeirenses é uma situação que pode soar estranha a quem não tenha o coração verde. Afinal, o que mais lemos sobre o chileno são as más notícias: expulsão gratuita; lesões e mais lesões; negociação tumultuada, com direito a atraso na reapresentação (e sumiço na Disney).

Mas ainda assim ele foi reverenciado - de maneira, volto a dizer, pra lá de espontânea. Os elogios se fizeram presentes também para além daquele grito. O jornalista Alex Müller, da Band News, e declaradamente palmeirense, falou no rádio e em seu perfil no Twitter: "Se o Palmeiras tivesse mais um Valdivia, estaria no G4". E o amigo Fabrício Vertamatti, que escreve aqui no Escanteio Curto, sempre ressalva que sem Valdivia a situação do Palmeiras estaria ainda mais delicada.

A contradição entre o senso geral sobre Valdivia e a opinião dos palmeirenses - que são quem sente na pele o que o chileno faz, pro bem e pro mal - sobre o jogador só não surpreende mais porque está longe de ser um fato inédito.

Lembro bem que os santistas viveram situação similar (mas trocando os sinais) com Kléber Pereira. Breve resumo da carreira do atleta no Santos: chegou no segundo semestre de 2007 e comeu a bola; em 2008, foi irregular, mas mesmo assim fazia seus gols e acabou como um dos artilheiros do Brasileiro; já em 2009, teve atuações pífias por quase toda a temporada, irritou os santistas e, quando deixou a Vila, saiu sem receber aplauso algum.

Ainda assim, quando santistas reclamavam de Kléber Pereira em 2009, recebiam reprimendas dos adversários. "Vocês estão doidos! O cara é matador! Queria eu ter esse 'problema' no meu time" era o tipo de réplica que mais se fazia presente. Enquanto isso, ao mesmo tempo que os outros torcedores enalteciam as virtudes do "artilheiro", os santistas se remoíam por ver um jogador desinteressado com a 9.

Mais um caso? Jorge Wagner no São Paulo. O lateral-meia esteve no Morumbi entre 2007 e 2010 e alternou boas partidas com outras extremamente preguiçosas. Mas, para quem não era são-paulino e não vivia o cotidiano do Morumbi, o que ficava na mente eram os melhores momentos dos jogos e uma impressão de que Wagner "ia bem na bola parada". Não importava o que os tricolores dissessem: para os outros, estava ali um bom jogador, talvez incompreendido pelos são-paulinos. Lembro de uma conversa com amigos tricolores que, ao ouvirem um elogio a Wagner feito por um torcedor de outro time, retrucaram de bate-pronto: "é só não-são-paulino que gosta do Jorge Wagner". Martelo batido.

A ótica de um torcedor sobre o próprio time costuma ser tratada de forma simplista e até mesmo babaca; volta e meia recorre-se ao grosseiro "o torcedor é passional" para explicar uma manifestação dos fãs. Acaba sendo, para a análise, mais cômodo ir por essa via do que ponderar o que realmente possa estar acontecendo. O fato é que, além de "passional", o torcedor de um time é bem informado sobre ele - e, via de regra, muito mais do que qualquer outra pessoa, a não ser que estejamos falando de um profissional ou um fanático inveterado por futebol, algo não tão comum assim.

Que a autodeterminação da corneta (ou do elogio) seja respeitada, pois.

PS: Ontem também tivemos mais uma morte resultante do confronto de torcidas - no caso, entre palmeirenses e santistas. Foi a terceira morte no ano, como informa a Folha de hoje. O incidente teve algo em comum com os anteriores: se deu longe do estádio (em agosto, um palmeirense morreu atacado por corintianos em Franco da Rocha e em fevereiro um santista foi assassinado por são-paulinos enquanto aguardava um ônibus na Radial Leste). Não sei, com base nessas evidências, como alguém ainda acha que torcida única pode trazer mais segurança aos estádios. Mais: como é possível que o mito "na numerada é mais seguro" ainda permaneça entre os torcedores comuns? Os torcedores brigam onde querem, infelizmente. E, às vezes, o interior do estádio acaba sendo o lugar mais seguro. É preciso mais inteligência para combater esse problema - grave, triste e duradouro.

Um comentário:

Fabricio disse...

O torcedor entende do seu cluibe melhor do que os adversários ou jornalistas. Sua opinião deve ser lei para os alheios.

Por exemplo, eu considero muito mais a opinião ou explicação do Olavo em assuntos sobre o Santos do que qualquer agência de notícias do mundo.