quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Futebol de segunda

Eleições e o duelo Palmeiras x Corinthians (ninguém sabia que esses eventos seriam realizados?) fizeram com que o jogo entre São Paulo e Goiás, pela última rodada do Campeonato Brasileiro, fosse transferido para uma segunda-feira. A marcação de uma partida do Brasileirão para o menos futebolístico dos dias da semana gerou reações: Muricy Ramalho reclamou do calendário, Antonio Carlos, zagueiro tricolor, disse que jamais havia jogado em uma segunda-feira, o jornalista Mauricio Stycer twittou dizendo que a partida representava um "desdobramento da última fronteira" e a Folha de S. Paulo até publicou uma estatística com o desempenho histórico do time do Morumbi em segundas-feiras.

É claro que futebol profissional numa segunda-feira é um negócio estranho. Mas para mim e outros da minha geração há algo familiar nisso. Porque na década de 1990 os jogos na segunda não eram tão raros assim.

O Campeonato Brasileiro de 1991, por exemplo, tinha regulares jogos às segundas-feiras. Era uma forma - acredito eu - de distribuir melhor as partidas e possibilitar mais transmissões pela televisão. Cabia à Bandeirantes exibir os confrontos. Lembro bem de um Santos 3x1 Sport, vencido pelo Peixe de virada, que o YouTube se encarregou de deixar claro que o jogo tinha se desenhado na minha memória correspondia à realidade (aliás, o que mais me surpreendeu ao rever os lances dessa partida é a qualidade - sem ironia - do gramado da Vila. Para mim, o relvado do Urbano Caldeira tinha sido um pasto permanente ao longo de todos os anos 1990, antes da reforma de 1996).

Mas a experiência do Brasileirão às segundas foi curta. O que ligou, pra valer, futebol e segunda-feira nos anos 1990 foi a transmissão do Campeonato Carioca, também na Bandeirantes. A cada semana, as partidas do estadual do Rio eram exibidas nacionalmente e conduzidas pela trinca Januário de Oliveira (foto) - Gérson Canhotinha - Addison Coutinho. Em tempos pré-internet, era ali que os que não moravam no Rio tinham a oportunidade de conviver com um estadual que não o "seu". E o Cariocão da Band nos anos 1990, hoje, ganhou uma aura cult entre quem era moleque naquela época. Até hoje os bordões de Januário de Oliveira são lembrados por aí.

É claro que não dá para não condenar a realização constante de jogos às segundas-feiras. Nem só por uma questão de tradicionalismo, mas pelo próprio calendário - como as rodadas precisam acontecer nos fins de semana, não há como os jogos se fixarem apenas um dia depois. Mas o saudosismo que distorce, sempre ele, diz em algum canto que esses jogos no mesmo dia da Tela Quente não são tão errados assim.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Pela autodeterminação das torcidas, ou: só o torcedor sabe o que se passa com o próprio time

Gols à parte, um dos lances que mais marcou o Palmeiras x Santos de ontem se deu aos 25 do segundo tempo, quando o placar registrava 3x0 para a equipe alvinegra: subitamente, após um lance que não teve resultado muito efetivo, a torcida palmeirense desandou - de forma espontânea - a gritar o nome de Valdivia. "Valdivia! Valdivia! Valdivia!"

A ode a Valdivia por parte dos palmeirenses é uma situação que pode soar estranha a quem não tenha o coração verde. Afinal, o que mais lemos sobre o chileno são as más notícias: expulsão gratuita; lesões e mais lesões; negociação tumultuada, com direito a atraso na reapresentação (e sumiço na Disney).

Mas ainda assim ele foi reverenciado - de maneira, volto a dizer, pra lá de espontânea. Os elogios se fizeram presentes também para além daquele grito. O jornalista Alex Müller, da Band News, e declaradamente palmeirense, falou no rádio e em seu perfil no Twitter: "Se o Palmeiras tivesse mais um Valdivia, estaria no G4". E o amigo Fabrício Vertamatti, que escreve aqui no Escanteio Curto, sempre ressalva que sem Valdivia a situação do Palmeiras estaria ainda mais delicada.

A contradição entre o senso geral sobre Valdivia e a opinião dos palmeirenses - que são quem sente na pele o que o chileno faz, pro bem e pro mal - sobre o jogador só não surpreende mais porque está longe de ser um fato inédito.

Lembro bem que os santistas viveram situação similar (mas trocando os sinais) com Kléber Pereira. Breve resumo da carreira do atleta no Santos: chegou no segundo semestre de 2007 e comeu a bola; em 2008, foi irregular, mas mesmo assim fazia seus gols e acabou como um dos artilheiros do Brasileiro; já em 2009, teve atuações pífias por quase toda a temporada, irritou os santistas e, quando deixou a Vila, saiu sem receber aplauso algum.

Ainda assim, quando santistas reclamavam de Kléber Pereira em 2009, recebiam reprimendas dos adversários. "Vocês estão doidos! O cara é matador! Queria eu ter esse 'problema' no meu time" era o tipo de réplica que mais se fazia presente. Enquanto isso, ao mesmo tempo que os outros torcedores enalteciam as virtudes do "artilheiro", os santistas se remoíam por ver um jogador desinteressado com a 9.

Mais um caso? Jorge Wagner no São Paulo. O lateral-meia esteve no Morumbi entre 2007 e 2010 e alternou boas partidas com outras extremamente preguiçosas. Mas, para quem não era são-paulino e não vivia o cotidiano do Morumbi, o que ficava na mente eram os melhores momentos dos jogos e uma impressão de que Wagner "ia bem na bola parada". Não importava o que os tricolores dissessem: para os outros, estava ali um bom jogador, talvez incompreendido pelos são-paulinos. Lembro de uma conversa com amigos tricolores que, ao ouvirem um elogio a Wagner feito por um torcedor de outro time, retrucaram de bate-pronto: "é só não-são-paulino que gosta do Jorge Wagner". Martelo batido.

A ótica de um torcedor sobre o próprio time costuma ser tratada de forma simplista e até mesmo babaca; volta e meia recorre-se ao grosseiro "o torcedor é passional" para explicar uma manifestação dos fãs. Acaba sendo, para a análise, mais cômodo ir por essa via do que ponderar o que realmente possa estar acontecendo. O fato é que, além de "passional", o torcedor de um time é bem informado sobre ele - e, via de regra, muito mais do que qualquer outra pessoa, a não ser que estejamos falando de um profissional ou um fanático inveterado por futebol, algo não tão comum assim.

Que a autodeterminação da corneta (ou do elogio) seja respeitada, pois.

PS: Ontem também tivemos mais uma morte resultante do confronto de torcidas - no caso, entre palmeirenses e santistas. Foi a terceira morte no ano, como informa a Folha de hoje. O incidente teve algo em comum com os anteriores: se deu longe do estádio (em agosto, um palmeirense morreu atacado por corintianos em Franco da Rocha e em fevereiro um santista foi assassinado por são-paulinos enquanto aguardava um ônibus na Radial Leste). Não sei, com base nessas evidências, como alguém ainda acha que torcida única pode trazer mais segurança aos estádios. Mais: como é possível que o mito "na numerada é mais seguro" ainda permaneça entre os torcedores comuns? Os torcedores brigam onde querem, infelizmente. E, às vezes, o interior do estádio acaba sendo o lugar mais seguro. É preciso mais inteligência para combater esse problema - grave, triste e duradouro.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Brasil x Argentina na China

Em 2011, escrevi aqui um post falando sobre o Superclássico das Américas, entre Brasil x Argentina, e o tanto que aquele duelo tinha de coisas bacanas - jogos no Brasil e na Argentina (não em Londres ou Madri), fortalecimento de uma rivalidade, oportunidade na seleção para jogadores "locais", etc., etc...

Pois bem: depois daquilo, o Superclássico naquele molde teve apenas uma edição, em 2012. Não foi disputado em 2013 e, agora, será jogado... em partida única, na China, com jogadores que atuam na Europa.

Ou seja, o que tinha aparecido como uma boa oportunidade de ser um fôlego para a seleção brasileira e uma oportunidade para ampliar o vínculo entre torcedores e a amarelinha acabou virando mais um genérico "amistoso da seleção", como tantos que há ao longo dos anos, e que pouco entusiasmo despertam.

Algumas razões para a modificação são compreensíveis. A maior delas, o dinheiro. Além disso, o Superclássico no modelo 2011-2012, ao excluir os jogadores "europeus", nos tirava a oportunidade de ver Messi, Neymar e as outras maiores estrelas de Brasil e Argentina.

OK, OK. Mas será que, após uma Copa traumática, o vínculo entre torcedores e seleção será firmado com um jogo do outro lado do mundo? Será que a artificialidade desse tipo de duelo é mesmo do que precisávamos? E será que - e esse talvez seja o componente mais importante - vale a pena retirar jogadores do Brasileirão para jogar uma partida que não vale nada?

O Superclássico parecia um respiro. Mas acabou se tornando mais um caça-níquel irritante. E a antipatia para com a seleção só cresce.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

São Caetano na Série D: o futebol brasileiro é muito doido

Na última segunda-feira, com a vitória do Guarani sobre o Caxias, o São Caetano teve confirmado seu rebaixamento para a quarta divisão do futebol brasileiro, a famigerada Série D. É um destino inusitado para um time que, todos lembramos, foi bi-vice-campeão brasileiro e vice-campeão da Libertadores na década passada.

Porém, ainda que quase todas as análises sobre a derrocada do Azulão relembrem os feitos do time em tempos distantes, é preciso que esqueçamos a turma de Adhemar, Adãozinho e cia e lembremos que em 2012 - sim, isso mesmo, o ano retrasado - o clube do ABC só não voltou para a Série A do Brasileirão porque teve saldo de gols menor do que o Vitória, quarto colocado e contemplado com o acesso na segundona daquele ano.

Ou seja: um time que poderia perfeitamente estar na primeira divisão nacional em 2013 irá jogar a quarta em 2015.

O tombo do Azulão foi magistral e não ocorreu somente em nível nacional. No Paulistão, a equipe também foi rebaixada em 2013 e, em 2014, por pouco não descendeu à Série A-3. Pode-se dizer, sem medo de errar, que o time foi do "quase-céu" ao inferno de modo mais do que súbito, e tudo por conta de um saldo de gols.

O curioso é pensar que esse tipo de declínio abrupto não é um caso isolado do nosso futebol. Outros exemplos: o Vitória, em 2004, chegou a uma histórica semifinal de Copa do Brasil; no mesmo ano, caiu para a Série B do Brasileirão e, no ano seguinte, foi à Série C. O Guarani em 2012 fez bonito ao alcançar a decisão do Paulista e, na mesma temporada, caiu para a Série C nacional. E o Juventude amargou uma grande série de rebaixamentos no nível nacional, passando da Série A em 2007 para a Série D em 2011.

Quando times com menos camisa como São Caetano, Bragantino e Santo André atingem o fundo do poço, é comum pensarmos em causas estruturais e pensarmos que a situação não tem cura - e que a equipe permanecerá indefinidamente na letargia ou mesmo passará à extinção. Mas a história mostrou o contrário: o próprio Bragantino que sumiu no começo da década passada (após o 'surgimento' colossal nos anos 1990) ressurgiu bem e, se não é mais a potência nacional de outros tempos, hoje tem participação cativa na Série B e na elite estadual.

O fato e que essa sequência de tombos e ascensões é característica - ou melhor, é um reflexo - do nosso futebol, mal-estruturado e, por conta disso, imprevisível. Não é impossível imaginarmos um São Caetano bem montado nos anos seguintes e chegando novamente à Série B, por exemplo.

No fim das contas, acaba sendo um ponto positivo do caos que é a estrutura do nosso futebol.